domingo, 9 de maio de 2010

FUTEBOL E PELADAS

ELOGÍO DA PELADA.

Taí uma coisa que não se precisa fazer, elogiar a pelada. A vestida também. Pelada com pele de veludo, pelada vestida de veludo. Aveludada, pois.
Como aquela bola redonda, entregue no lugar e tempo certo, aquela bola...aveludada. Aquela, que o Pelé botou pro Carlos Alberto na final de 70, não era um passe: era um afago.

Pelada do Farol, areias de Capão da Canoa: ali é que se aprende. Marabá, Indi, Nelsinho, Tico-Tico, Popô, Nenê, Sidnei, Homerinho, Alfredinho, Jura, Marcão, Vardo. Pelada do campo de barro vermelho do IPA, Mabilde, Hermeto,Bocão, Otacilio, Ícaro, Francisconi, meses a fio com ferida no joelho e cotovelo. Pelada da Almirante Abreu, meio-da-rua frente à casa do Maestro Komlós e da louca da Bica: Araujo, Cegonha, Clóvis, o nome do time um riso só: AAAA. Jogo tratado no Prado Velho, Clarão da Lua, IPA.


Boteco e a pelada são eventos patrióticos, atos épicos, efemérides civilizantes dentro da cidade maluca. Lugar de troca, de conhecimento, de amizade. Se o boteco tende a se repetir, como um clube e com uma certa rotina, a pelada não pode ser num clube, aí não é pelada. Pelada é lugar descolado, tratado, alugado, emprestado, só se vai alí pra jogar pelada, nem banho tem, nem bar (ai complica um pouco...)

Pelada da Faculdade, com Amarelo, Schuller, Gastãozinho. Pelada da Universidad de Concepción no Chile, com Jun, Bené, Petento, Gastón, Catano. Quando a pelada de Tobalaba dos exilados de Santiago, com Berquó, Tom, Vladimir, Tulio, Pedrão, Maia, Rafton foi jogar num assentamento em Melipilla, metemos logo uns 4 golos no começo. Mas no intervalo, o juiz não recomeçava, enquanto a turma do Chile ia nos obrigando a levantar brindes e mais brindes à solidariedade latino-americana, ao sol do meio-dia. Resultado do jogo: não me lembro...

Peladas de Buenos Aires com os residentes da Psicanálise, seja na Associação dos Médicos, seja no próprio Hospital Borda com a lotação Barracas: Turca, Esmeraldino, Francisqueli, Nilton, Abrãozinho, o Tom , o Tuti, à noite uns bifes de chorizo no Fragata . No Borda tinha um goleiro autista que pegava muito penalti, e nem sorría, e outro colega que cantava como Gardel (adivinhem quem ele dizia ser...). Peladas de Buenos Aires no Defensor de Belgrano, no Saca-Chispa, com o Tom de novo, o Porchetto, o Juancito e até o Bernardo de centro-avante. Num domingo de inverno às 8 da manhã, fomos dar a saída mas não sabíamos para que lado: não se vía nenhum dos arcos no meio da cerração !

Quando se volta do exílio, se quer ir ao Gre-Nal, mandar uma feijoada, uma roda de som daquelas no Roxy com Mutinho e Ivaldo, e entrar logo numa pelada (sem trocadilho...). Bom, aí foi que o Veludo me recebeu, alí no campo grande do Concórdia, meu velho conhecido da Bacía. Uma pelada diferente, alí os ruins não eram gelados, eles seguiam titulares meses a fio !!! Quer dizer, tinha usucapião nas vagas. Por isso mesmo, sempre me sentí um reserva (de luxo, é claro) no Veludo. Senti não, eu era reserva mesmo, o que mostra a categoría do Veludo. Niltinho sempre atencioso, Pauzinho (com enterro de menisco e tudo), Mizo sempre solidário passando a bola , Cezar (com a bola nos pés, um compositor ótimo) Popô de novo (num estilo entre o jazz e o Chitãozinho) , Maurão sempre calmo, Edenor . Levava meu filho Santiago, bem pequeno, e ficava pela volta do campo, esperando uma oportunidade. Pelada de fé, sem banho , sem boteco, sem mulher. Às vezes, sofrendo as imagens que me atingiam vindas de meio do gramado, pensava calado “Ah, se me dessem aquele passe...”.


Bom, de tanto sobrar (nos dois sentidos) no Veludo, fui prá pelada do Giba , meu cunhado. Aí a coisa era gordíssima: Nelsinho, Espanhol, Brochado, Barata, Regis. Uma pelada itinerante, meio sem endereço, às vezes no Juventude da Silva Jardim. Aqui eu não sobrava, só de entrar no meio dos caras já estava bom prá minha bolinha e pro meu ego.

Tem uns caras que são os genios para armar pelada. Esse Giba é um deles, com a turma do futsal, no Remanso, na Apamecor, IC, DMAE, se descuidar ele arma galeto, buraco, bocha, peiperviu, arma até uma pelada com a sua irmã... Outro genio pra essa coisa era o Carvalho, na pelada da Vila Nova. Calendário estável, mensalidade com bloqueto bancário, costela encomendada, pelada com grana. Ùltimamente está dirigindo outra pelada, brinquedinho mais complicado. Também fui cartola e lutei pra manter uma pelada alí na Redenção, atrás do Mercado. Era conhecida como “Sangue e Areia”, reunião de músicos e amigos, com o Paulo de Bagé , o Corona firulando, o Nelson também, o Pirata cheio de gáz, o Rebú, mais um monte de caras de ressaca. Não deu pra segurar, pois como diz a Maria Lúcia, os músicos são gente muito ocupada !
Aliás, essa pelada acabou no día em que o Pery resolveu jogar, e a gente viu.

Já em Sampa caí numa pelada dos músicos nordestinos (categoria musical mais numerosa naquela metrópole, só superada pela feliz casta dos percussionistas negros brasileiros casados com aeromoças francesas loiras em Paris), num campinho da USP, sábado de manhã. Estavam o Penna, o Melo, Rogerio Rosca, até o Belchior tentava matar uma bola, eu levava o Marcão (pra evitar que ele fosse exercitar seu hobby atávico e pagar mico na feira-livre do Sumaré) , e tudo terminava esticado na feirinha da Vila Madalena entre quitutes cearenses e aquela canção linda que só usa uma palavra do nosso glorioso portugues: “Mulher, mulher, mulher...”e depois repete, e depois...

E agora eu acho que está faltando pelada, quero dizer, nas revistas sobra, mas na minha lista e na minha memória falta. Eu que pensava ser um militante da música ou da revolução, agora estou vendo que minha causa mesmo foi a das peladas, enfrentei de tudo por uma boa pelada, até por uma ruim pelada, mas sendo pelada, eu estava a favor. Pelada em Pelotas na LatinoMúsica , quando joguei um tempo no time do RS e outro no do Chico (Cristóvão, Batera, França), adivinha quem ganhou cada um dos tempos...Também, com o Appel de armador e o Luis Heron de lateral ! Pelada em Frankfurt com o Pastor Dorival, na rodinha de chope (é verdade, tinha, era até alegre) quando fui elogiar um jogador alemão, ficou todo mundo amarelo, o cara era iugoslavo, não falava nem bier em alemão. Oh vida de pelada, vida folgada, e dele-que-te-dele a se esfregar em homem !!!

Complicado era chegar na pelada da Cité Universitaire, em Paris: 3 metros incluindo o de Montparnasse, mais de dois quilometros a pé. Eu e o Dudú já chegávamos com aquecimento feito. Peladão na areia, gente de todo lado, domínio dos brazucas (muitos daqueles percussionistas de que falei antes) , o Chico e o Ruy juiz estiveram lá batendo uma bolinha, Rogério do PV, Gerard, Borelli PSG, vinhozinho na saída. A mesma turma fazía uma charanga para o PSG, com mulata e entrada liberada...

Pelada no Rio de Janeiro é o que não falta, quer dizer, se sobrar tempo entre uma feijoada e uma rodinha de papo. Na Monte Alegre em Santa Tereza, onde aparecía o Ronald Biggs;
quilometro 14, aquela do MPB-4, Miltinho bom de bola, Ruy bom de bronca, Bedaque, Zé Renato. Jornalistas, no Grajaú, com o Tom de novo. Piraquê, com Roliço, monstro Bernardo ( de novo), cenário espetacular. Areião brabo no Humaitá, com o pessoal da favela. Pelada do Chico, capítulo especial que não vai caber aqui, 9 anos de várias por semana, com o Jeronimo, Chico, Tapajinhos, Nelsinho, Zé Roberto, Checha, Neizinho, Urubú, Jorge, Oaquim, Osmar, França, o bodegueiro Severino, Zacarías cartola, Caruarú, Cid, Nei Barbosa, festa de São João, na quarta-feira pelada “nas-internas” com um prato regional por semana, e sempre, mas sempre mesmo, muito papo com quitute e cervejinhas depois da “rodada” do eterno torneio entre Politeama, Cachaça (ainda sou) , Raça, Pelotudo, Mambembe. No próximo número, conto mais dessa pelada.

Pra fechar o círculo, volto à pelada da areia, aquela gostosa, cálida, espichada na preguiça...Opa, estou falando de outra coisa. Bom, é tudo na mesma praia, peladas na Praia do Rosa, torneio do Gramense, medalha na areia, pelada no Shapi com butiazeiro no meio do campo e pelada em descida no Bicão com galetinho no pão, Homerinho (de novo), Sardinha, Renatão, Nelo, Ademar, Adelino, Paulo da Caixa, Alcides, Nazareno.

Ainda está faltando alguma pelada, das que foram e das que virão. Nas férias, quero bater uma bolinha no Veludo, o pessoal é fominha mesmo mas não aguenta jogar dois tempos, então tem “furo” pros amigos distantes. Por falar em fominha, relendo agora estas linhas pude entender o que é ser fominha...

(Texto do livro de 40 anos da Pelada do Veludo, Porto Alegre).

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